Onde há muito mais de nós mesmos...

Por Regiane Litzkow



Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar...





A vida segue em ritmo de maratona.
Fico para trás, perdida, a rodar. Círculo que aumenta e diminui, ao passo que as pessoas entram e saem. Ultimamente, mais saem. Desespero. Não se ciranda sozinho.

Recentemente, passava os olhos nos filhos de uma amiga que precisou sair às pressas e não pôde levá-los consigo. As crianças reuniram outros amiguinhos para brincarem e revezavam-se entre um computador e um vídeo-game.
Juntas, somavam cinco crianças, o que sempre obrigava uma delas a ficar de fora dos jogos em uma rodada. Sucessivamente, quem perdia cedia a vaga para o outro que não estivesse jogando. O tumulto era certo ao fim de cada jogo. Reclamações, discussões, insultos e o repetido chororô de quem precisava sair.
Já não conseguia mais me concentrar em minha leitura, quando resolvi intervir.
Vesti minha máscara de adulta e comecei exigindo uma explicação para toda aquela confusão. Falavam todos ao mesmo tempo. O menino maior, de uns oitos anos, me assustou. Tinha toda postura de revolta do mais injustiçado dos homens e estava disposto a obter seu direito à qualquer custo. O excesso de gesticulação e os olhos inflamados, gritavam muito mais que sua voz rouca alterada.
Eu precisava ser sábia. Eram apenas crianças, disse para mim mesma.
Em meio à gritaria, tentei retornar à minha infância em busca de alguma solução. Surgiu-me, de imediato, a doce lembrança dos velhos terreiros mineiros, espaço predileto nos fins de tardes e nas noites de lua cheia. O pátio mal acabado do grupo escolar. A sala do antigo casarão, cujos passos sobre o assoalho tinham a rítmica mais ingênua do universo. Cenários que acolhiam meninos e meninas de todas as idades, com as mãos entrelaçadas, formando o coral que entoava a conturbada relação amorosa entre o Cravo e a Rosa, o caso do moribundo Samba Lelê, Se essa rua, se essa rua fosse minha... Numa explosão de saudosismo sugeri:

- Que tal brincarmos de roda?!

As vozes acalmaram-se repentinamente, até o silêncio ser rompido pela garotinha que queria entender a brincadeira. Todas as atenções voltadas para mim, dediquei-me a explicar com empolgação, quando a mesma menina me interrompeu, questionando quem ganhava e quem perdia. Respondi-lhe que não era uma brincadeira de competição e que objetivo era tão somente se divertir. As interjeições de frustração e desdém vieram em uníssono. E antes que eu sequer argumentasse, já haviam me dado às costas e retomado seus postos nos jogos.

Resignada, deitei-me novamente. Em vez da leitura, perdi-me em pensamentos que me fizeram olhar para bem dentro de mim.
Nunca fui dada à competições, o que me desloca bastante neste mundo. Analisei vários aspectos da minha vida. Me senti muito mal, mas não cogitei a hipótese de ser diferente. Para amenizar, atribuí a causa ao meu senso socialista. Mentir para si mesmo não é uma idéia inteligente. Admiti a covardia. Só entrei em disputas quando tive certeza da minha vitória.
Perdi muito, mesmo sem disputar. Quem não aceita desafios por medo de perder, já é por si só perdedor.
Engoli o choro quando uma mãozinha me tocou... Era o menorzinho da turma, me pediu que brincasse de roda com ele. Antes que eu olhasse para aquela atitude como um vestígio de esperança para o meu próprio drama, ele acrescentou trocando o som de algumas letras:

- Cansei de perder.

Mal sabia falar, mas já aprendia o jogo da vida.

Sorri para ele e nos demos as mãos como quem só tem um ao outro, embalados pela triste cantiga de alguém que, um dia,  também rodou:

"...O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou."

1 comentários:

Dennys Távora disse...

Regi querida, os seus textos são ricos em idéias, convidam à reflexão e sempre transmitem uma mensagem valiosa. Você é jovem, mas possui uma sabedoria precoce, nascida da sua sensibilidade. Identifiquei-me com esse texto. Atualmente, segundo a lógica individualista do liberalismo econômico, são muitos a dizer que as pessoas devem ser preparadas desde cedo para viver num mundo competitivo. A competitividade é, portanto, estimulada desde a mais tenra idade. O importante é preparar as crianças e os jovens para vencerem na vida. Porém, num mundo onde há vencedores, haverá necessariamente perdedores, que constituirão a maioria esmagadora. De fato, em qualquer ambiente competitivo, poucos são os vencedores. O problema é que, no jogo da vida, não vale o lema olímpico de que “o importante é competir”. Quem perde, está fora do jogo, como na brincadeira das crianças que você tão bem narrou. A competitividade é, na realidade, a legitimação da exclusão. Melhor seria nos darmos às mãos e, ao invés de competirmos, propiciarmos a todos uma oportunidade de alegria, como numa agradável brincadeira de roda. Adorei o texto, até nas entrelinhas que não abordei! ;) Beijo carinhoso.