Onde há muito mais de nós mesmos...

Por Regiane Litzkow



E você, o quê vê?



Nessa semana me vi - outra vez - desvairadamente apaixonada por Kundera. Lembro-me ainda do impacto que A Insustentável Leveza do Ser causou em mim, fazendo com que eu percorresse, desesperada, todas as bibliotecas em busca de mais daquele universo que me fora apresentado.
Hoje, mais madura e, passada a fase tiete, vejo que A Imortalidade foi mais além do entusiasmo de outrora.
Agnes, à princípio, tão sombria, se revelou tão íntima, tão humana que meu senso de partilha não me permitiu guardar só para mim:

"Imagine que você tenha vivido num mundo em que não existissem espelhos. Você teria sonhado com seu rosto, o teria imaginado como uma espécie de reflexo exterior daquilo que se encontra em você. E depois, suponha que com quarenta anos tenham lhe estendido um espelho. Imagine seu espanto. Teria visto um rosto totalmente estranho. E compreenderia nitidamente aquilo que recusa a admitir: seu rosto não é você.
(...)
Nosso nome, também, vem por acaso, prosseguiu ela, sem que saibamos quando apareceu no mundo, nem como um nosso desconhecido antepassado o conseguiu. Não compreendemos absolutamente este nome, não conhecemos sua história, e mesmo assim o usamos com grande fidelidade, nos confundimos com ele, gostamos dele, somos ridiculamente orgulhosos dele, como se o tivéssemos inventado num lance de genial inspiração. Quanto ao rosto, é a mesma coisa. Lembro-me, isso deve ter acontecido no fim de minha infância: de tanto me olhar no espelho, acabei chegando à conclusão de que o que eu via era eu. Tenho uma vaga lembrança dessa época, mas sei que descobrir meu eu deve ter sido inebriante. Mais tarde, porém, chega o momento em que nos olhamos no espelho e dizemos: será que sou eu mesmo? E por quê? Por que devo ser solidário com isso aí? Que me importa esse rosto? E a partir daí tudo começa a desmontar. Tudo começa a desmontar."

Carta de Agnes para Paulo - A Imortalidade de Milan Kundera.

1 comentários:

Dennys Távora disse...

Regi querida, a primeiro obra de Kundera que li foi "Risíveis amores", um livro de contos que uma amiga me emprestara. Faz tempo! Lembro-me de que estava no início do curso de Direito. Fiquei encantado com o texto e o universo que Kundera me apresentava, o que me levou a ler na sequência "A insustentável leveza do ser", que alguns anos mais tarde foi adaptado para o cinema. Aliás, uma adaptação bastante fiel ao livro, o que é raro. Não li outras obras de Kundera. Agora, você me apresenta "A imortalidade" e me deixa com uma curiosidade enorme de lê-lo. Vou fazê-lo, sim! Provavelmente, como já fiz em outras oportunidades, terei de lhe agradecer a indicação, o que farei com muito prazer! Beijo carinhoso.